Passo pela vida mais vendo que vivendo,
Mais rabiscando que falando,
Menos narrando que transcrevendo.
Um olhar, duas palavras, três erros.
Crescimento.
E contei com a graça de aprender com os erros alheios.
É o que me vejo, aos 80, contando aos netos,
ao fim de uma tarde fria de outono.
O por-do-sol, na varanda, eterno.
A caminho da casa da avó,
olhando pelo vidro da condução,
Tremo sentada, pela brevidade da vida
que passou enquanto eu lia um letreiro de poste.
À esquerda, uma senhora tudo filtra e dois rapazes matam um goleiro.
E alguém deve ter oferecido ouro a esse motorista, no fim do horário.
O cobrador pega meu vale. Papel.
Ele nem me olha. Gente.
Tantos passam, poucos ficam ou olham para trás.
Laços desnecessários.
É só mais uma viagem.
Sento ao centro, corredor.
No colo, uma filha dorme,
Eu desperto.
Entre um momento e outro, ouvi distraída os sons do dia.
Feitiço.
Os contornos perfeitos daquele bordado.
Nuances, passos em falso no caminho da segurança.
Flores no meio, suave no topo.
Voltas escuras por todas as linhas e brilho no fim.
Ali, vi meu mundo - aos pés de uma criança.
E quem sabe não seria melhor assim?
De mulher a moça e guria, vi minha vida passar no bordado de um sapato de menina.
O corredor.
Admiráveis mulheres com três filhos e uma feira.
Perfeito equilíbrio.
De onde sai o terceiro braço?
Não funcionou com os meus cadernos.
PM, cansado o rosto, cansados os grisalhos.
Há dias de chegar em casa, abraçar as crianças e desabar.
Por que a noite é tão curta?
Pelo menos, dei um beijo nas crianças.
Lar.
De mulher a moça e guria, vi minha vida passar no bordado de um sapato de menina.
Ignorância é uma virtude e uma benção.
Criança, não procure conversas de adulto.
O desconhecimento pode ser um privilégio.
Uma honra, admirar-se com o mundo.
Uma graça, a inocência na alma da criança.
De mulher a moça e guria, vi minha vida passar no bordado de um sapato de menina.
Vê que pais não são heróis.
Também sangram, erram,
Igualmente choram e têm seu lado pervertido;
Oprimem, sonegam, fecham os olhos.
Educação.
Se você falha, "o que fiz de errado?"
Nos jogam o passado e dizem que não ouvimos.
Ou que ouvimos rock muito alto.
Amor? Discutível.
Ilusões, peças.
E no meio de tanta paixonite, percebo que nunca me apaixonei.
A liberdade e seu preço.
Sempre há o que ofusca,
que é como os bailes que já não existem,
é uma canção de Venturini,
o último chocolate e a razão de levantar mais um dia adolescente.
De mulher a moça e guria, vi minha vida passar no bordado de um sapato de menina.
Ainda não plantei. Feijão no algodão não conta.
Ainda não publiquei. Projetos inacabados.
Ainda não procriei. E sem planos.
A semana é longa e seu fim, só uma tarde de domingo!
Passei pela vida mais vendo que vivendo,
Mais rabiscando que falando,
Menos narrando que transcrevendo.
E o amor? Ainda não chegou.
Sinto o peso das minhas palavras.
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