domingo, 9 de setembro de 2012

[Poema] Visão de Poetisa num dia frio

Hoje
Trago nas costas frias as marcas do passado,
Os pequenos avanços, grandes passos,
Vida, morte e felicidade.


Hoje
As lembranças espremem lágrimas
De todo o sofrimento, toda a lástima
De aguentar o mal enquanto fazia o meu melhor


Hoje
A vida parece mais nítida
Partiu aquela solidão raquítica
Que tomava conta de tudo


Hoje
Busco na vida razões para sofrer
Sob o risco de viver
E não ter tudo de volta


Hoje
Caminho por uma estrada sem fim
Estou num que se tornou afim
À candidez e ao calafrio da morte


E ainda sinto o peso das minhas palavras.

[Poema] Por que acredito

Acredito e sigo


Depois do chuvisco ou da nevasca
Porque as flores vão ressurgir


E depois da noite escura
Vêm os raios clarear.


E os pródigos voltarão
Para mostrar onde não errar


E mesmo que chovam trovões
A oração sussurrada, na calada da noite,
Será atendida


E cada coração no todo
Ouve tudo que se diz dele


E sempre haverá aquele sorriso torto
Que faz chorar


E a nova vida trará mais um sorriso
Ao farfalhar de folhas secas
E à visão do céu úmido.


Isto é por que existo,
Por que acredito
E sigo adiante.

[Poema] Em Tempo

Em tempo se vê a face real de um homem
Não as marcas no rosto, mas as rugas da alma
Males que envelhecem por dentro

Nada como o tempo
Um dia após outro, uma noite no meio
Um belo copo d’água natural
Que não engana - diferentemente dos homens
De belas frases, sorriso bonito,
Bela moldura, que esconde os cupins do espírito

Em tempo nos descobrimos
Cobrimos o bem e o mal
E o que vale a pena lembrar
Ah! Bons tempos...
Quando o tempo só separava dia e noite
O tempo para se perdoar
Para fazer a dor passar
Rever os erros e recomeçar

Meus pais diziam: Tempos melhores virão!
E mudanças podem ser boas.
Uns dizem que tempo é dinheiro,
Tão valioso ele é.
Talvez não o perceba uma criança que acaba de chegar,
Mas pergunte àquele paciente terminal.

Há muito, pouco Tempo significa progresso
“50 anos em 5”
Tempo de conexão, de viagem, de produção, de trabalho.
É tema de canções, filmes, livros e séries
Time after Time
É Tempo de Matar
O Tempo e o Vento

Queria que ele voltasse
Só em dados momentos.
É melhor que siga seu curso ininterrupto
Sem que um só parafuso
Desparafuse-o todo.

[Poema] Fênix

Vi o vento sacudir a velha árvore
Fazendo cair as folhas mortas
E depois arrebatá-las para longe dali.

Vi luzes sendo apagadas,
Tendo iluminado ambiente mais morto que cova
E serem reduzidas a pó.

Saltaram minhas dores arraigadas
Mesmo a morte, a morte evita
E elas partiram fingindo-se doces.

Vi sumirem as minhas cores,
Vi a escuridão que me cercava,
Contemplei o cinza da solidão que me derrubou.

Vi meus amores ruírem, desfeitos,
Como tricô inacabado, quando se puxa um fio,
E minha vontade desistir dentro do peito.

E quando já nada restava de mim,
Vi novas folhas nascerem na velha árvore,
Vi raios quentes brotarem da luz,
Senti que as dores eram inúteis.

Feliz, admiti que até no cinza há par de cores,
Senti novas esperanças nascerem
No peito que eu julgava derrotado.

Tudo porque aprendi a fechar os olhos,
Obstruir os ouvidos,
Calar minha voz.

Senti que sentiria falta de mim
E que nada neste mundo paga um coração feliz,
Uma alma cantante,
Um pensamento livre.

Como fênix, não me destruí:
Repaginei.
Assim, não fugi dos meus erros:
Consertei.
E não hei de cometê-los outra vez.

Sou quem sou,
Quem fui e serei,
Sendo apenas eu e meus botões reciclados,
Antes, cinzentos e tristes,
Hoje, roxo berrante com estrelas amarelas!

Sou mais que folhas mortas arrebatadas
Mais que luzes apagadas
Que dores arraigadas
E um tricô desfeito.

E quando posso reconhecer, posso transformar
Renovar, renascer, revolver, refazer!
Como fênix, que não desaparece,
Mas adormece com a alma tranquila,
Sabendo que, hora ou outra,
Estará de volta, bela e refulgente,
Brilhando sobre outras árvores,
Debaixo do mesmo sol
Novas dores, novas cinzas, novos corações
Naquele que renova todas as coisas.

[Poema] Teu Ninho



Diz que sou teu passarinho

De quem bem tu vais cuidar
Aqueço-me em teu ninho
Onde me quero aconchegar

Sou louca por teu carinho
Por teu amor a me libertar
Que mais e mais me prende
Ao me permitir voar


Em levas e longas viagens
A saudade me fez retornar
Até a leve brisa do mar
Só me leva pra você

Não te preocupas se o dia vier
E houver um espaço a ocupar
Se algo é certo, é que volto
O que há de bom no afastar?


Se algo me faz querer voltar
É deitar nos teus braços
E, por eras, esquecer de viajar.


Na força de mil abraços,
No coração, o descompasso,
No beijo, o poder de voar.

[Poema] Soneto sem Eira

Do fim de um oceano,
Um confuso entre nervos e calmo
Emerge, trazendo no semblante, pálida,
A dor causada pelo desengano.


Descobriu entre luz e espádua
Sua insignificância perante Deus
Que tudo pode e, aos filhos seus,
Deu obra plena e inacabada.


Inteligência, de que tanto se vangloriam
Meros homens, sedentos de tanto
Mal sabem como se prejudicam


Pelo poder, a verdade negligenciam
Matam irmãos por um dinheiro insano
E a decência, por burrice, repudiam.


COMENTÁRIOS ANTERIORES

Wau, olha só This de Camões! Está perfeito this!!!!!

[Poema] Dedo de Deus


Então, que se cumpra a Tua vontade,
Porque somos dedos no Teu corpo.
A vida é o segundo e o agora já é tarde.

O eclipse ofusca a lua.
Um ataque eclipsa a vida.
O galo canta a sua hora
Mesmo criado para cantar o sol

Quero sobrevoar campo e mar
No balão azul, o vento e as flores do campo
Lembrar que temos vida nos problemas.

Sentir que viver é isso
Ver o tempo passar
Sorrir e chorar
Ver e sentir
Sem perder os detalhes

No uso e abuso das palavras,
Busco sentido para o que há em mim
Quebro cabeça e galho, nesse jogo de velhas
Títeres, fantoches, armas de guerra.

No mundo sem nexo, eira ou porteira
Onde criança mata criança com a arma que achou em casa,
E correnteza leva quem não quis sair naquele dia,
E maremoto engole uma terra inteira...

Mas que se cumpra Tua vontade,
Não dos meros dedos, simplórios
(Nem sempre inocentes)
Que habitam o corpo de Deus.

[Poema] Quase Invisível

Poucas coisas são deliciosas
Como o banho na chuva
Cirandar com os amigos debaixo do toró
Beijar e abraçar quem a gente ama


Passar horas sem conta com amigos
Dormir o que corpo e mente precisam
Um banho relaxante
Comer o que se tem vontade
Ouvir o que se quer ouvir, de quem se quer ouvir


Palavras doces
A voz de quem te acalma
A voz da sua mãe
Rever família e amigos antigos
Ler um livro com um surpreendente final feliz


Cantar e dançar até não aguentar mais
Gritar “te amo”
Correr na praia ou no campo
Visitar lugares deslumbrantes
Sentir paz
Sentir-se amado
E candura ao redor


Ver sorriso de amigo
Ouvir risada de bebêDormir com a chuva

Acordar com os passarinhos
O perfume daquela flor
E o de terra molhada


O cheiro bom da comida de mãe
Em meio ao turbilhão, sentir que tudo vai dar certo
Saber que fez o melhor que podia
Estar cercado das pessoas que ama
Ouvir as palavras de que precisava


Poucas coisas são boas como as mais simples,
Que a gente deixa passar.
A hora de ser feliz está nas entrelinhas
E a chance vem todo dia,
Nos detalhes.


COMENTÁRIOS ANTERIORES

Pois é! Coisas maravilhosas que passam despercebidas! Um grande abraço This!

www.laerte-lopes.blogspot.com

[Poema] Remorso

Possível fosse no tempo voltar
Nossa separação, não permitiria
Terrível dia, traído o luar
Corações à revelia,
Dilacerados corações
Em mágoas eternas, jamais esquecidas.

Bem que tentei mudar,
A dor me seguiu, eu não quis voltar
Não me ressenti, porém
Não guardei real mágoa no coração
No terrível dia, traído o luar
Quando se deu a separação.

Em nossas idas e vindas,
Só lamentamos o caminho não trilhado
O abandonado, renegado
Perdido em esperanças perdidas
E em novas dores comedidas
E no inalcançável ontem,

Que já não pode ser remediado.


COMENTÁRIOS ANTERIORES

Oi flor, que poesia mais linda!
Já virei sua fã!

Bjs

[Poema] Vale

Posso não concordar com todos os seus temores
Às vezes entramos em choque
Mas ver aquele sorriso no rosto da minha mãe
Ouvir que é feliz por nos ter como filhos
Faz valer a pena.


Brigar com ela é pior que ser nocauteada
São gerações diferentes
Irrita, às vezes, tanta proteção
Mas quando a avó me cobre com uma coberta
Quando durmo, faz valer a pena.


Sempre deixo de ver coisas legais na tevê
Porque ele não perde um jogo de futebol
Mas sentir a força que meu pai passa
Quando estou triste ou fraca
Faz valer.


Houve dias de arrancar cabelos uns dos outros
Gritamos até o que não devia ser dito
Mas quando meus manos e eu brincamos
Sorrimos, choramos juntos
E vê-los dormindo, ali quietinhos,
Faz valer a pena.


Podemos ter-nos magoado com palavras amargas
Ou brigado por um segredo contado, outro revelado
Mas passar o tempo com meus amigos
Falando de coisas simples, cantando, gargalhando
Faz valer a pena até demais!
Porque são meus anjos na Terra.


Se tudo tem dois lados,
Se os laços que nos unem são mais fortes que nós,
Como se pode cansar da vida?
Há pessoas tão maravilhosas olhando por mim
E eu também tenho por quem olhar
Enquanto estou, vou fazendo desse o meu lugar


Tudo passa, todo mal deve ir
E nós devemos ficar
Não sendo o passageiro, mas a paisagem
Semeando flores e colhendo amor
Tomando banho na chuva e lavando a alma
Deixando um sol se pôr, estreando novas esperanças
Para cada dia de vida, tudo novo! Vida nova!


Se o passado foi doce, é bom lembrar;
Se triste, é melhor acordar.
Nada se faz quanto ao passado, que foi,
Mas quanto ao futuro.



Quando queremos felicidade,
Não é em vinte anos, mas agora mesmo
Umas pessoas precisam de uma dose de luz
Não importa o que tenham,
Mas o que são a oferecer.


Porque, se pararmos para refletir, ficará claro
Que se todos desaparecermos, o mundo continuará girando
O mesmo universo,
Quase todos os astros
E novas estrelas.
Ainda assim, vale a pena ter passado.


COMENTÁRIOS ANTERIORES

Ei This,

Lindo poema, façamos valer a pena.

Ahh sou top comentárista ne? legal ^^

P.S: Sobre o Alguém como vc, uma capa linda faz toda a diferença mesmo.

bjo

[Poema] Breve observação do céu

Quisera eu ter nascido passarinho
Viver mais amores, ser poupada das dores
De ver homem matar mulher e criança
Ou ver o desabrochar de Hiroshima
Ou ver o Apartheid apartar.

Quisera eu ter nascido passarinho
O bravio desbravar, o céu cruzar aos quatro ventos
Voando sem rumo, sem medo de errar
Enchendo o peito do que só os livres entendem
E, no azul que mergulha em meus olhos, mergulhar.

Quisera eu ter nascido passarinho
Levar meu canto a todo lugar
Sentir que entre céu e terra, o lar é onde a vista alcança
Bradar meu amor em qualquer circunstância,
Sem o peso dos grilhões, saltar, revoar

Mas vejam que crueldade
Homens também matam passarinhos
E, como se tivessem o direito,
Encurralam passarinhos,
Encarceram-nos como brinquedos em formação

E pássaro tem que partir, que o mundo é dele,
A César, o que é de Roma, porque Roma é dele,
Mas os viajantes são do acaso:
Do hoje aqui, amanhã, acolá,
Indo e vindo, tendo o infinito por lar
Sem medo de errar o caminho.

COMENTÁRIOS ANTERIORES


Prabéns Thisinha, ótimo poema, quem dera eu ser um passarinho também, só não queria viver preso numa gaiola, prisão perpétua! Deus me livre! Muito bom mesmo, gostei demais, até a próxima!

Laerte Lopes
www.laerte-lopes.blogspot.com

[Poema] Canção Refletindo a Pátria

Minha terra tem Palmeiras
Abandonado por Scolari.
As aves, aqui caçadas,
São vendidas no mangaio, a quatro reais.

Minha terra tem apagão,
Tem laranjada, pizza,
Escândalos galináceos
E palavras mal digeridas.

Nossas flores são mais belas,
Inclusive as enxertadas,
Nossos frutos são mais gostosos,
Transgênicos e agrotóxicos.

Minha terra tem o céu mais lindo
Sobre as nuvens infestadas,
tem o mar mais procurado
E redes de arrasto.

Minha terra tem mais estrangeiros,
Anarquistas de terno anil,
Cuecas de seda, Armanis
Pagos com o bolso do Brasil.


*A Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, já recebeu muitas formas em homenagens, algumas paródias. Também decidi pôr a mão na massa, lá pelos meus 16 anos!


COMENTÁRIOS ANTERIORES

Ai ai que engraçado, srsrsrsr, muito criatia a sua canção refletindo a pátria, srsrs. Abraços This!

www.laerte-lopes.blogspot.com

[Poema] Reflexão

Não é porque digo certas coisas certas

Que tenho obrigação de saber tudo certinho.
Enganado está, se pensa que sou gênio:
Tenho lá a minha cota de desenganos
Há muito abandonei os grilhões infantes do silêncio.

Como portas que se abrem ao horizonte
À alegria aparente de um mundo de mentirinha
Onde o sonho vira pesadelo, e contos, filmes de terror;
E os beijos que sopramos no ar
Chegam ao outro lado em forma de pedras
Sem cor.

Quero de volta o tempo em que inspirava vida
Na pior das hipóteses, sorrir
Viver de sonho e sonhar acordada.
Em paz.
Não pagar para nascer, crescer
Morrer, ou a tudo isto assistir.

Quero de volta os anos que não voltam mais.




*Confira mais poemas de This Gomez na página de produção

terça-feira, 12 de junho de 2012

[POEMA] Da inexperiência nada ficou

Nada ficou da inexperiência,
Que flutua como cirro em fuga.
Hoje brindamos o cálice do futuro
E ele entorna as lágrimas acumuladas.

Três anos.
Dez vidas.
Muitas horas de desassossego.

Valeu a luta, o riso e o choro
Pelo sorriso de hoje, com brilho nos olhos.
A caminhada difícil, a oscilação na jornada
Os altos e baixos.
Mas chegamos todos.

Dos maus momentos, as lições,
A cura das quedas,
A saudade dos amigos
E as férias.

Que venham o horizonte e os desafios,
Os riscos do caminho,
E a aclamada felicidade,
Bem-vinda desde o início da jornada.

E da inexperiência?
Nem saudade ficou.




Este foi composto para os meus eternos amigos do Ensino Médio, quando de nossa formatura, em 2001.

[POEMA] Solidão Provisória

O pior não é ficar sob a calha
Ouvindo a chuva martelar tão forte
Que parece ter esperado por séculos.

O pior não é passar a tarde esperando o chamado
Daquele que não vem;
Não é ouvir as palavras duras,
Trajadas de piadinhas, eufemismos terapêuticos.


O pior não é o medo, calmaria ou tragédia,
Não é ver os passarinhos partindo, sem poder ir junto,
Não é o risco do dia a dia.

O pior é olhar para o lado
E não encontrar quem ouça.
Os poucos que poderiam
Estão ocupados com seus próprios afazeres
Ou rindo de algum coitado que ludibriaram
Contando vantagem por algum golpe
E maquinando novos planos.

O pior é querer fugir da solitária e ser forçado a ficar
Talvez porque não confie em mim
Ou confio demais, quem sabe?

Talvez o meu grande Amigo,
O que trouxe a chuva, a calha, a fala, as tragédias,
A solidão e os que dela se nutrem.
Que sabe, Ele sabe?


Aonde devo ir? Que faço agora?
Diante de águas calmas, aonde vou
Parece tão calmo, tudo azul
Gotas de chuva brincando em meu rosto.


Desejaria apenas ser eu.
Ninguém nos carros, nos bancos, nenhum passante na rua
Apenas as águas e eu, a lagoa e a chuva
Uma refletindo e uma turvando,
Réplicas perfeitas dos humanos que me cercam.
Só que as águas não sabem o que fazem.


Confusão brota num fim de tarde chuvoso.
Até esqueci-me da solidão.
Estará perdida no fundo dessas águas,
Presa nos aguapés, levada pela chuva?
Ou estará apenas escondida, travessa,
\por trás de meus olhos,


Esperando que se desviem da lagoa,
Devaneando, para emergir outra vez?

domingo, 3 de junho de 2012

[POEMA] Andarilho

Lá vai o andarilho
No passo trôpego e borracho
Vai pelo caminho, maltrapilho
Ninguém sabe que ventos o levaram ali.
Perdeu a mulher e dois filhos
Na casa do morro que desmoronou
A cama onde nasceram Pedro e Paulo
Agora é seu túmulo, junto à mãe.


Perdeu o emprego, o andarilho.
Tentando salvar a família, desandou.
As roupas novas do trabalho,
Esfarrapadas de chuva e lama,
Caminham sem rumo, no maltrapilho:
Ziguezagueando no acostamento
Ele abusa da sorte que nunca dura.


Um bêbado, voando no chão,
Faz voar o andarilho
Dez, doze metros encosta abaixo
Era uma vez um andarilho
Mais uma porta fechada em cova rasa indigente.
Sonhava morar na praia, mulher e filhos
Um cão, dois gatos, cantar repentes.
Sonho morreu na sacola rota do maltrapilho:
O bilhete premiado enterrou-se junto,
Na cova rasa anônima.


Morreu triste e louco, o andarilho,
E o bêbado que voava saiu do cerco em três dias
Dorme tranquilo, na cama de dossel
E não se lembra do maltrapilho no caminho.

*Esta é do ano de 2005, escrita logo após a visão do misterioso andarilho, em uma das curvas do caminho.

[POEMA] Se se vive de paixão

Se se vive de paixão? Certamente que sim,
Se o brilho no olhar enternece
E te entorpece o toque cálido,
O som, a cor, o aroma carmesim.
Se há o brilho que transcende a alma
- Esta que, feliz, na confusão dos hálitos,
Salta no peito em suspiro profundo.
Então se vive.


Os traços fortes e o gigante abraço
Nos braços te mantém, imponente e seguro;
Os cabelos macios e a pele morena
Recendem a sonho, mas te podem lograr.
Se paixão não é, cuida que não seja ilusão,
Alusão ao amor ideal que evanesce no ar
E que conhecemos por outro nome.


Na paixão se vive de tormento e glória,
Do jogo de extremos, redenção e dúvida;
Do beijo no fim do outono aos reencontros primaveris.
Dos risos vis invadindo a amargura
E os toques cálidos, o frio.
Se o brilho no olhar enobrece e te entorpece o toque chiste,
Esta é a verdadeira paixão e dela se vive,
Certamente.

* Porque acordei um tanto Gonçalves Dias hoje ^^




Comentários Anteriores...

Aione Simões disse...
Ahh esse poema é lindo!
Pode acordar Gonçalves Dias todos os dias e continuar trazendo poemas belíssimos como esse!
Beijão, flor!

[POEMA] Chuva

A mesma chuva que traz sorte,
Que molha e que lava,
É a chuva que corre
Rua após rua
Molha os pés
E derruba algumas lágrimas

É a chuva que corre,
Que me faz lembrar de mim,
Que lava o rico e o pobre,
O mau e o nobre,
Que limpa as almas e os desalmados
E pode derrubar alguns telhados

Uns dizem que traz sorte
E, chegando agora,
Ela me faz lembrar dos que já considerava esquecidos
E derruba algumas barreiras.

A chuva que chove
E me faz chorar
Cai e corre e molha e lava
E me faz nova


E me faz lembrar
Que ela costuma esconder as lágrimas
As nuvens cinzentas carregam os sorrisos,
Chovem os olhos
E fazem chover os corações.




Comentários anteriores...

Laerte disse...
É verdade, o tema Chuva é bem apropriado ao momento em que nosso país vem sofrendo grandes catástrofes. O sentimento em suas palavras é verdadeiro e é por isso que sempre estou aqui apreciando sempre seus textos. Você é demais! Abraços!

Laerte Lopes
www.laerte-lopes.blogspot.com

sábado, 2 de junho de 2012

[POEMA] Banco de Pedra II

E eu aqui,
Sentada no velho banco de pedra
Anda espero


Que os olhos venham a mim
Que o sorriso eu torne a ver
Que o perfume me torne a envolver


Nada valem os bens do mundo
Todas as pedras, flores e folhas
Cada gota d’água sem ter como partilhar


Dá-me serenidade para esperar
Coragem para falar,
Olhos para escutar, saber, sentir,
Olhos que doem abertos
Ao verem o que não querem


Em que espelho perdi minha alma?Porque não tenho a minha força como antes?

[POEMA] Estranhos na noite

Vagando a noite sem lua,
Encontrei-o.
Tão triste, cabisbaixo,
Aproximei-me.


Toquei os cabelos finos,
A face acariciei,
Tentei conversar,
Nada além pensei.
Seus belos olhos de mar,
Claros, estranhos demais,
Causaram terror e tanto.


Enfeitiçada,
Convidada a sonhar,
Por olhos ou lábios, não sei,
Perguntei o que havia de errado,
E se poderia ajudar.


Mas ao mover a boca,
Caninos ao meu encontro
Pescoço cravado, fui ao chão.
E, com as mãos no rosto,
Ele sumiu na escuridão.


Estranho me levou à dor,
Levou meu sangue e coração.
Comigo, levo a vida,
Aqui, deixo o perdão.
E quando encontrá-lo, estranho na noite,
Não quero teu sangue ou carne,

Mas ser teu pensamento e ação.


Ainda vago pela noite
No desconhecido, à procura.
Onde foi que errei o caminho?


*2000
Este era o favorito da minha professora de História, Geral. Ela gostava dos amores sobrenaturais =D


Comentários anteriores:

Laerte disse...
Olá This, ótimos versos estes hein? Até para o sobrenatural tu tem habilidade hein? Isso que é uma escritora completa! Abraços querida!
www.laerte-lopes.blogspot.com

[POEMA] Banco de Pedra I

Por que triste, menino tolo?
Isso não é para ti,
No bosque desses olhos
Não se caça sofreguidão
Um rosto feito para sorrir


Qual é a do meio sorriso?
Ciência que desentendo e vivo
E que me serve de mergulho
No vento e no frio.


A beleza de um sol poente
Lembra que tudo é renovado
Que vai o escuro e vem o brilho de um rei
E até a noite mais escura
Forja o brilho das estrelas


Navego num sonho sem rumo
Sonho ingênuo, viramundo
Exagerado, vagabundo
Que se recusa a voltar atrás.


Aqui fica a tua pequena,
Rosto alegre, coração triste,
Procurando uma força que já não existe
Ou que não cabe em mim.


Mais uma vez no banco de pedra
Desejando que onde quer que esteja
Amor te abençoe e proteja
E nunca morra o teu sorrir.

[POEMA] Em poucas palavras

Tua boca tem algo mágico que não entendo
O sorriso mais lindo que já existiu
Mistério, coisa que nunca se viu
Quanto mais descubro, menos compreendo


Teus lábios têm algo que chama
Um calafrio que a pele aquece
Que, num só gesto, meu corpo entorpece
E transmuta inteira esta que te ama


Quisera eu entender o que me passa
Quando imagino tua boca a aproximar
E despertar em ti os mesmos desejos


Dizer que o amo, não importa o que faças
As mãos em teu cabelo deslizar
E provar do misterioso sabor de teus beijos.


* Composição de 2002


Comentários anteriores...

Celly Monteiro disse...
Bom saber que teus talentos não se limitam a prosa, belissimo poema This, diz ai, de onde saiu este tem mais? Adoro poemas!

[POEMA] Pais

Como encontrar luz em momentos como este
Nuvens carregadas cobrem a manhã
O coração enfurecido urra com a impossibilidade
As mãos atadas se retorcem.


Como procurar amor em lugar assim
O sol se esconde, raios se esgueiram e cegam
Os pés atados se contorcem
O coração ensandecido se expande nas correntes.


Como achar paz num lugar desses
A solidão confinada ensandece
O coração transpassado sangra decepção
Onde está o mar, quando precisamos de um empurrão?


A vida obscurecida padece,
No coração, o fogo eterno se consome
Lembrando daqueles que partiram e não vêm maisPara que as fortunas quando você só precisa de Paz?

[POEMA] Tarde

Na última vez em que vi o sol dormir
Foi o sono mais lindo.
A última chuva, uma tempestade na alma, levou todo o mal pela ribanceira.

O cheiro da terra molhada embriagava
Tal qual a brisa fria do lago que adormecia, ao cair da tarde,
E o canto do sabiá, na última orquestra do adormecer do dia.

A última vez em que vi os olhos que amava,
O sol já não importava
E o som da chuva nem causou reação.

A terra secou e eu já não sentia a brisa do lago.
O sabiá deve ter ido cantar para outro alguém
Que talvez, como eu ali,
Adormeceria para sempre.

[POEMA] Quimera

Quisera eu nunca ouvir criança chorar
Que elas não tenham motivo ou vontade
Afora as lágrimas de felicidade,
Vê-las sorrir o sol até o sol acabar.
Quisera eu.



Sonhos e esperanças trancou num malão
Atirou-o ao mar do mais alto monte
Vergadas as costas, suada a fronte,
Passado matou, lançando à escuridão.




Num mar de desilusão, dor e vagar
No abismo das esperanças feridas
Ouvi-a chorar, desejei que parasse.
P'ra evitar que ali eu também desabasse
Nas más lembranças da infância perdida.
Quisera eu ter só um ombro p'ra chorar.

domingo, 18 de março de 2012

[POEMA] Quase um soneto de lástima

Quando quebrar-se a consciência
Elo entre alma e corpo
Não tornarás, ó lindo tempo,
A atormentar-me a vivência?


E se a vida me deixar agora
Quem chorará, deitado a um canto?
Quem, por mim, derramará seu pranto,
Lembrando-se daquela que foi embora?


Ó, mal amado, não chora por mim
Poupa-me da cruel piedade
E de tuas lágrimas rubras de rubis.


Mesmo que venha, um dia, a saudade,
Lembrarás daquele tempo, a ingenuidade
Quando duvidavas que chegasse o fim.

*Mais uma do produtivo e saudoso ano 2000.


Comentário anterior...

Carol R. disse...
Você escreve bem demaiis :)

[POEMA] De mulher a moça e guria, vi minha vida passar no bordado de um sapato de menina

Passo pela vida mais vendo que vivendo,
Mais rabiscando que falando,
Menos narrando que transcrevendo.
Um olhar, duas palavras, três erros.
Crescimento.
E contei com a graça de aprender com os erros alheios.


É o que me vejo, aos 80, contando aos netos,
ao fim de uma tarde fria de outono.
O por-do-sol, na varanda, eterno.


A caminho da casa da avó,
olhando pelo vidro da condução,
Tremo sentada, pela brevidade da vida
que passou enquanto eu lia um letreiro de poste.


À esquerda, uma senhora tudo filtra e dois rapazes matam um goleiro.
E alguém deve ter oferecido ouro a esse motorista, no fim do horário.


O cobrador pega meu vale. Papel.
Ele nem me olha. Gente.
Tantos passam, poucos ficam ou olham para trás.
Laços desnecessários.
É só mais uma viagem.


Sento ao centro, corredor.
No colo, uma filha dorme,
Eu desperto.
Entre um momento e outro, ouvi distraída os sons do dia.
Feitiço.


Os contornos perfeitos daquele bordado.
Nuances, passos em falso no caminho da segurança.
Flores no meio, suave no topo.
Voltas escuras por todas as linhas e brilho no fim.


Ali, vi meu mundo - aos pés de uma criança.
E quem sabe não seria melhor assim?
De mulher a moça e guria, vi minha vida passar no bordado de um sapato de menina.


O corredor.
Admiráveis mulheres com três filhos e uma feira.
Perfeito equilíbrio.
De onde sai o terceiro braço?
Não funcionou com os meus cadernos.


PM, cansado o rosto, cansados os grisalhos.
Há dias de chegar em casa, abraçar as crianças e desabar.
Por que a noite é tão curta?
Pelo menos, dei um beijo nas crianças.
Lar.
De mulher a moça e guria, vi minha vida passar no bordado de um sapato de menina.


Ignorância é uma virtude e uma benção.
Criança, não procure conversas de adulto.
O desconhecimento pode ser um privilégio.
Uma honra, admirar-se com o mundo.
Uma graça, a inocência na alma da criança.
De mulher a moça e guria, vi minha vida passar no bordado de um sapato de menina.


Vê que pais não são heróis.
Também sangram, erram,
Igualmente choram e têm seu lado pervertido;
Oprimem, sonegam, fecham os olhos.
Educação.
Se você falha, "o que fiz de errado?"
Nos jogam o passado e dizem que não ouvimos.
Ou que ouvimos rock muito alto.


Amor? Discutível.
Ilusões, peças.
E no meio de tanta paixonite, percebo que nunca me apaixonei.
A liberdade e seu preço.
Sempre há o que ofusca,
que é como os bailes que já não existem,
é uma canção de Venturini,
o último chocolate e a razão de levantar mais um dia adolescente.
De mulher a moça e guria, vi minha vida passar no bordado de um sapato de menina.


Ainda não plantei. Feijão no algodão não conta.
Ainda não publiquei. Projetos inacabados.
Ainda não procriei. E sem planos.
A semana é longa e seu fim, só uma tarde de domingo!


Passei pela vida mais vendo que vivendo,
Mais rabiscando que falando,
Menos narrando que transcrevendo.


E o amor? Ainda não chegou.
Sinto o peso das minhas palavras.




Comentários anteriores...

Laerte disse...
Olá This, mais uma vez estou aqui para prestigiá-la. Ótimo poema, eu escrevo també, nos faz pensar o que fazemos da vida, o tempo que usamos, se é sábio ou não. Ótimo poema minha amiga, continue assim sempre muito inteligente. ABraços!

www.laerte-lopes.blogspot.com

[POEMA] Dexei o amor na última estação

Deixei o amor na última estação
E ficou para trás o último abraço
Quando fiz a curva na outra estação
Seus olhos ardiam, como se fosse verão
Sumiu o trem, rompeu-se o laço.


Vieram as flores, esperanças e amores
Estribilho de pássaros recém-nascidos
Seus olhos choviam, perdidos nos trilhos
Nas pedras e folhas, no riso e nas dores.

Marcas de neve na paixão comedida
Cicatrizes que ligam os corpos afastados
Saudade que congela amores abreviados
No quarto escuro, luz fraca e despedida.

No arrastar das folhas amareladas,
As palavras sussurradas e jogadas ao vento,
E o desejo de salvar, momento a momento,
O amor de verão em estações descarriladas.

Um amor de verão que renegava seu tempo,
Paixão de dezembro abreviada nas curvas,
Trilhos de ferro e miragens de janela,

No beijo frio, o calor dos olhos dela,
No último aceno, as imagens mais turvas,
E ainda o desejo de salvar cada momento.

Deixei no amor a última estação.

De 27/04/2011

[POEMA] Nebulosos

Sonhos podem ser esperanças,
Podem ser as mãos de uma criança,
Podem estar escondidos num beco qualquer:
Na viela escura,
Na floresta nua,
Num lago ou onde a gente quiser.

Tenebrosos.
Coloridos.
Indecifráveis.
Comedidos.

Por trás de uma cortina cinza,
Sob o véu da realidade,
Ou além do manto azul.

Sonhos podem ser as esperanças,
Podem ser mãos de criança,
Ou alguns balões rasgados.
Podem ser desenhos de um anjo.

Ou podem ser apenas sonhos,
Esperando ser despertados.


Comentários anteriores...

Laerte disse...
Olá This, lindas palavras escritas com muita propriedade! Você escreve muito bem menina! Continue assim que sempre voltarei aqui para ler! Abraços e bom dia!

Laerte Lopes
www.laerte-lopes.blogspot.com

[ACRÓSTICO] Dicas para ser um cidadão atuante

Tenho medo
Ouço fantasmas gritando
Quero matar!
Um ventríloquo político
Enterro insano
Sabem manipular-nos


Políticos
Antiquados!
Ratos de esgoto!
Amigos da onça!


Sela de esconjuros
Expectante cultura expectorante
Rastreador capital


Um país que não tem princípios
Menos ainda terá respeito


Caixinha de surpresas
Indiciando mentiras
Deixa evidências suspeitas
Assim é a política
Dentro dessa caixinha
Acharemos todas as nossas vidas
Ocultas sob trevas de corrupção


Anjo negro
Turmalina empoeirada
Unguento exangue
Arma(ldiçoada)
Nunca seremos libertados?
Terror e consciência
Esperança e evasão.


* Nos velhos tempos de Médio, ano 2000, foi proposta à turma a criação de um texto com o tema DICAS PARA SER UM CIDADÃO ATUANTE, mas eu estava na fase de acrósticos. E com a visão que tinha na virada do milênio expressa assim, conquistei os professores ^^


Comentários anteriores:

Laerte disse...
Hehe, a adolescência é a época em que as idéias surgem tão mais precisas, só falta experiência para colocarmos de modo inteligente no papel! Mas você já nesceu um gênio! Saudades dessa época!

wwww.laerte-lopes.blogspot.com

[POEMA] Pena

Pudera eu consolar teus olhos
Que, de tão belos e distantes,
Parecem não querer ver.


Quem dera consolar teus lábios
Secar as lágrimas que os umedecem
Envolvendo-os com os meus.


Quisera eu ter algo que despertasse
Tua atenção à minha presença
Ao teu lado, sou grão
Na imensidão do lugar nenhum
Aonde teus olhos se dirigem e se perdem.


Pudera eu abraçá-lo,
Adormecê-lo em meus braços
Afagar-lhe os cabelos
Sentindo ali
Que poderia o mundo ruir
Nada me afastaria dos olhos claros.


Que pena
O sol ter de despertar,
Romper-me as pálpebras a raio,
Compelir-me a acordar
E, tristemente, enterrar o sonho
Que, no último adormecer,
O mesmo sol descortinou.

De 29/12/10

Comentários anteriores

Laerte disse...
QUe versos lindos Thisinha! Sei que nem sempre é possível, mas tento entender especificadamente sobre o que você está querendo dizer, mas não se pode. Mas te digo que está excelente minha amiga! Um grande abraço!

Laerte Lopes - Blog Medo

quarta-feira, 14 de março de 2012

[POEMA] Estrela

Então, estrela,
Por que brilha insistentemente colorida?
A provar que é, do topo, a mais bela,
A explicar que ainda há esperança,
Ou que ainda não é hora de expirar?


Esse brilho morno, estrela,
Aquece meus olhos e vai aonde não posso chegar
Da rósea cor de estrela ao verde frio do amanhecer

Adormecendo-me a consciência
Forçando-me a anoitecer.


Como pode assim brilhar, estrela,
Sobre a minha casa e Marte,
O juiz e o julgado,
E sobre todos os mares?
Sobre o árbitro e o ambulante,
O indigente e o presidente,
O herói e o intratante?


Só quero saber, estrela,
Se está fazendo gênero
Ou eu não percebi teu brilho sobrehumano,
Igualitário e soberano,
Firme e forte e cheio de vida
Que hoje vai, amanhã volta
E fica.


Que revele um outro dia, estrela,
Quem sabe, em outro lugar.
Depois da próxima curva,De onde melhor eu te possa ver brilhar.

E descobrir, enfim,

Por que brilha ainda colorida:
A mostrar-se, do horizonte, a mais vívida,
A explicar que tudo tem volta,
Ou que tem prazo para expirar?



Comentários Anteriores...

Niii disse...

Amo estrelas, poesia..
vc é a autora!?

bjs
Ni 27 de janeiro de 2011 11:16


Laerte disse...

Muito bom Thisinha seu poema! Parabéns querida! Belas palavras para descrever a relação estrela/homem. As vezes tiro tempo para observá-las, ler este poema me fez lembrar das noites que passei em um interior! Parabéns!

Laerte Lopes
www.laerte-lopes.blogspot.com 27 de janeiro de 2011 14:13

[POEMA] Sede

Turbulência, ventania
E um clarão fulminante cegou milhares
De repente, o dia fez-se noite
E o céu chorou carbono
Sentiram-se as carnes fervilharem
Corpos retalhados a calor
Quiseram água, a aliviar o fervor
Mas ao contato com o corpo fervente
O líquido frio, o choque
Fez desfalecerem


Nossos filhos queimados
Nossas mãos queimadas
Nossas vidas em combustão
Por culpa da guerra
Pelas mãos de quem não tem alma,
Mas o prazer de tirar as alheias
Tudo pelo capitalismo!
Tudo pelo poder!
Tudo por vencer!
“Matamos mas fazemos”.

Idiotas sedentos.

* Este também foi dos idos de 2000, da minha fase adolescente e amplamente produtiva.


Comentários Anteriores...

Raphaela disse...
É de sua autoria?!
Gostei :D
Beijos
Rapha - Doce Encanto. 24 de março de 2011 14:28
 
Laerte disse...
Muito bom This! A adolescência nos traz inspirações múltiplas, também tenho saudade dessa época produtiva! Até mais This e desculpa pela ausência, muito trabalho. Beijus!
Laerte Lopes - Blog Medo 24 de março de 2011 15:01
 
Celly Monteiro disse...
pelo tema do poema dar para perceber que adolescente tu foste. Muito bom, bem forte e de palavras bem escolhidas, me fez lembrar a música-poema "Rosa de Hiroshima". ;) 30 de março de 2011 21:19

[POEMA] A Troca

Por ver novamente os olhos castanhos vivos
Único sopro morno naquela terra morta
Teria lutado mais um pouco - quanto mais, não importa,
Desde que eternizado aquele brilho.


Pudesse torná-lo imperecível, não vê-lo cair no Ocaso,
Teria partilhado ares, trocado vidas, dividido espaços,
E mais uns sapos engolido.
Até aceitaria vê-lo em outros braços.


Sapos ainda são ditos.
Os espaços, quase completos.
Vidas seguiram e a terra parece mais viva.


Trocaria de lugar por vê-lo aqui.
E muito mais faria, só por não ter de ver fechados
Os olhos castanhos mais lindos que já vi.


Comentários Anteriores

Aione Simões disse...

Que poema lindo, This!
Adoro suas poesias!
Tão apaixonadas!
Beijos! 20 de outubro de 2011 17:26

HONORATO,Sandro. disse...

Ola´*--*
Adorei o post.
Adoro poesias e vejo que você tem talento :)
Beijos 20 de outubro de 2011 18:49

[POEMA] Se o mundo estivesse para acabar...

Se o mundo estivesse para acabar
Eu aproveitaria para tudo inverter:
Diria Eu Te Amo aos que penso odiar,
Amaria em dobro os que não quero perder.


Traria ao mundo um novo ser,
Mostraria o valor de quem sabe amar
E lhe ensinaria o prazer de ler,
o maior tesouro que se pode herdar.


De olhos fechados e coração aberto,
eu contemplaria os perfumes e as cores,
Experimentaria os sons e os sabores
que pairassem nesse sonho desperto.


Minha última lágrima trairia a tez
ao lembrar que, só uma vez, vivi.


Comentários Anteriores:

Laerte disse...
Muito bem This, ótimo verso, fico pensando também o que farei quando este dia chegar, sendo que nunca saberemos, mas é uma questão a muito se pensar! Mais uma vez desejo muito sucesso em seu trabalho, te admiro demais!

www.laerte-lopes.blogspot.com
Liz.zy Jenks disse...
Lindo! *______*
Realmente nos faz pensar no que faríamos se o mundo estivesse para acabar!
Temos que aproveitar melhor nosso tempo, nunca se sabe quando isso vai realmente acontecer! ^^
Beijo grande e sucesso!!! ^.^

[POEMA] Temo o que treme na terra das cerejeiras

Terra treme
Treme o peito
A coragem
E o coração

Bomba explode
Chuva apaga
O fogo
A corrosão

Chora o filho
Chora o pai
A morte 
E a devastação

Mar avança
Nas cerejeiras
Que tremem
E incendeiam

Raia o dia
Noite adentro
Segue o medo
Nas ruas vazias

E a natureza, em seu suspiro profético,
Abaliza: Isto é só o começo.

Escrito em 16/03/2011


Comentários Anteriores:

Nanda disse...
Ei This,
Nossa sinistro o final do poema, gostei muito. Parabéns :)
O mundo ta muito doido mesmo ultimamente, fiquei boba quando vi do Japão na tv.
bjo

Celly Monteiro disse...
A mesma sensibilidade em palavras que tocam.
"E a natureza, em seu suspiro profético,
Abaliza: Isto é só o começo."
Sim, infelismente pode ser só o começo!

[POEMA] Súbito

Talvez eu termine os meus dias só,
Num quarto escuro frio, sentada a um canto
Ninguém do lado de fora, nem aqui dentro.
Talvez eu nunca tenha filhos,
Nunca receba flores,
Não inspire como fui inspirada
E nenhum poema fale de mim,
Na prisão.


Quem sabe meu coração dará um salto
E, nesse único, posso perder-me?
Talvez o meu nome seja apenas gravado
Na lápide congelada. Que fiz da vida?
Sendo a fraqueza a qualidade do covarde,
Ainda deixei-a vencer. Quem sou?
Encarcerada.


Por que deixei o cansaço vencer?
Por que fui montanha?
Por que não chorei uma só vez
Nem fui mais forte e feliz e brava?
Por que provo o vazio e escuridão
E me sinto vigiada?


Não é culpa do anjo, se baixei a guarda.
Será dos corações diferentes?
Uma declaração, dois beijos,
Uma morte inexplicada e o meu sonho acaba.
Cá estou novamente, tentando descrever
O que ficou detido no coração
No mesmo velho banco de pedra,
Criado por cinco horas de sono
E dez minutos de inspiração.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

[POEMA] Se amanhã eu não acordar

Não chorem por mim porque o alívio chegou.
Não muito.

Doem todas as minhas roupas e órgãos bons.
Guardem as fotos em que eu sorri e descartem aquelas em que eu tentei.
Fotografem tudo que eu fotografaria.
Postem todas as minhas cartas pendentes,
- A última lembrança, às vezes, vale mais que todas - 

Publiquem meus livros e contos inacabados
Não derramem meu perfume favorito
Não mudem a estação quando a minha música tocar
Meu material escolar, aos meus irmãos
As bijuterias, a quem interessar.

Destruam meus velhos óculos e lembranças que não quero que guardem
Releiam meus livros favoritos
Amem aqueles que amei
Sorriam, quando souberem que eu sorriria
Não enruguem o rosto, porque eu não gostaria.

Não procurem esquecer
Mas, de uma forma boa,
Lembrem se fui importante para vocês

Façam algo diferente, nesse dia
Não guardem rancor do único culpado,
Que nem culpa tem.

É chegado o tempo e a vida é a ordem,
Ora aqui, ora acolá.
Vida a ser vivida ou abandonada,
Vida que sopra, eleva,
Vida que ficará ali suspensa,
Se amanhã eu não acordar.


* Originalmente postado no Canto e Conto, em 3/11/10, foi o segundo poema mais lido do blog, perdendo apenas para Os Pássaros.


COMENTÁRIOS ANTERIORES



disse...Guria... me arrepiei toda lendo! É você mesma que escreve??? Lindo *-*
Parabéns!!! ps: obrigada por recomendar o Guria ;) 5 de dezembro de 2010 20:08

Gabriela disse... Muito lindo, amiga! Você escreve muito bem mesmo, parabéns! 23 de dezembro de 2010 22:04

[POEMA] Os Pássaros

Ah, como invejo os pássaros.
Asas que descobrem o mundo em círculos perfeitos.
Em formações ou bandos solitários cruzando ares.
Incansáveis.
Como desejo a sina dos insaciáveis
Desbravadores de terras, horizontes e mares
Lépidos viajantes, de paixão e liberdade feitos
Ah, como invejo os pássaros.

Algemas e grilhões, deixei para trás
Esvoaçando o azul em trilhas de plumas
Carregando ao vento as sementes do passado
E do futuro.
Por um breve instante, abrir mão de tudo
Minhas lágrimas, somar ao mar, à espuma
Algemas e grilhões, deixei para trás.

O lar é onde a vista alcança
Não peço muito mais,
Feliz.
Vou descansar no cais,
À sombra de um barco e de esperança.

Vou ao encontro de outra aventura, em breve.
Migro.
Ao encontro de um sopro que minha alma leve.

Em paz.


* Originalmente postado em 20/11/11, no blog Canto e Conto, foi o poema com o maior número de visualizações da história do blog.



COMENTÁRIOS ANTERIORES

Caíque Pereira disse... Nossa This, que poema lindo e profundo, não sabia que escrevia tão bem e nunca tinha visto um poema seu aqui, gostei muito mesmo. Eu já escrevi poemas e até ganhar um concurso no meu outro colégio que tem a cada dois anos, mas parei e me dediquei a escrever livros, e se Deus quiser, irei publicá-los um dia. Apoio sem hesitar se você quiser publicar um livro de poemas, eu quero, gostei muito da sua interpretação como eu-lírico do texto, mas lembre-se, não faz bem viver sonhando e se esquecer de viver. Mas se quiser sonhar, sonhar que está voando, leia um livro bem legal que ele vai te levar às alturas. Beijão! ;* Livros, Letras e Metas   21 de julho de 2011 13:07

[CONTO] Paz e Regresso (Ar de Evasão V)

...Paz.

Ana ouviu uma voz abafada ecoar em algum ponto sobre a sua cabeça e sentiu um ardor desconfortável em seu rosto.

A chuva desabava nas ruas, quando ela emergiu ofegando fortemente e cuspindo água barrenta. O tempo parecia ter perdido um compasso, ou ela estava zonza por ter ficado tanto tempo sob a água. A expressão em seu rosto mudara: seus traços, antes suaves e de ar espantado, agora estavam duros, amargurados. Carregados de culpa.

- Não – ela fechou os olhos – Não, não.

Lembranças invadiam a sua mente como flechas em fogo – ela era um alvo atingido pelo próprio cérebro, com sérias dúvidas quanto a poder caminhar. Sacudiu a cabeça diversas vezes, na tentativa frustrada de afastar aquela torrente de memórias – um acidente, uma criança... o seu menino. Era ele que Ana viera buscar, ali.

Gritou, mas não ouviu a própria voz.

Viu-o novamente, encarando-a de longe, sorrindo – o menino de olhos cor de mel. Ana disparou em direção ao morro do fim da rua. Tinha a impressão de ver tudo ao redor através de uma cortina cinzenta e nebulosa, enquanto dava passos firmes, chapinhando água com os pés. Decidindo que não havia tempo a perder, correu, como se a sua vida dependesse disso.

- Ana, volte!

A voz grave de Lucas chamou uma última vez e soava preocupada: aparentemente, ele não poderia segui-la. Ela ouviu o murmúrio novamente, desta vez formando uma palavra discernível: Paz. Ela fez um giro completo com o corpo, procurando a origem do som, e percebeu que vinha do garoto, que a observava de um ponto adiante. Ela já sabia o que fazer, sabia que precisava seguir sozinha.

E a direção era morro acima, onde ele fora jogado numa vala, como indigente.

Até chegar ao fim da rua, aonde se dirigia, Ana viu os sinais da enchente: bombeiros ajudavam crianças e idosos e atravessar a água, pessoas gritavam desesperadas por parentes. Todos estavam muito ocupados com suas próprias tragédias para reparar em uma moça baixinha que passava desembalada, sem cuidar dos possíveis buracos escondidos sob o tapete de água, que alcançava seus joelhos. Um cachorro pequenino cruzava a água diante dela, aqui e ali afundando na água lamacenta.

Parte da rua estava bloqueada por cordames, que ligavam uma casa a outra. Dois carros estavam empilhados um sobre o outro e a água começava a subir ali, também, embora Ana já tivesse deixado a parte baixa da cidade. Uma lama espessa atrasou seu ritmo, mas ela alcançou o sopé do morro em alguns minutos. Seus olhos miravam o fim da rua, fixos na edificação do topo, onde o menino a aguardava. O prédio estava visivelmente em ruínas e a ponto de desabar.

Outra equipe de bombeiros, à sua direita, ajudava uma família inteira a escapar, agarrados nos cordames. Ana seguiu pela esquerda, onde havia árvores ainda de pé, e   começou a escalar, de tronco em tronco. Como os caules remanescentes estavam juntos, não foi preciso muito esforço.

Parte do morro havia desabado e muitas árvores foram arrancadas e arrastadas junto com o barro e os casebres, como Ana verificou. Ela levou cerca de meia hora para atingir o topo do morro e, uma vez parada à beira do penhasco instável, parou, contemplando o prédio que o encimava.

Naquela parede, pichada em tinta vermelha, viu o que procurava - uma palavra descascando da murada interna do enorme casarão imperial, Paz, visível apenas porque parte do muro externo havia sido levado pelo desabamento, deixando um estreito vão entre a parede e o abismo. E era por aquela fenda que ela precisava passar, se não quisesse dar a volta na murada, de quase cinquenta metros de extensão.

Um cão de rua, vindo não se sabe de onde, farejou o terreno perto da palavra descascada e começou a escavar. Ana não hesitou antes de agarrar-se a pedaços curtos de vigas, que se desprendiam do muro. Segurando-se firmemente, ela passou para o pátio do único casarão imperial de Alexandre, seu prédio mais antigo, onde o imperador D. Pedro II certa vez, se hospedara, quando de passagem pela cidade. Os cidadãos ainda davam uma estúpida importância ao fato e a casa, não estivesse em ruínas e a ponto de desabar, ainda seria um sítio histórico.

Até as últimas chuvas, toda a sua imponência histórica servira de tela para pichadores. Mas aquela palavra pichada, em especial, Ana desejava que nunca tivesse sido feita.  Tornava tudo real.

Sob a letra A, o menino de olhos cor de mel, que a esperava recostado à parede, se dissolveu no ar. Abandonando toda a gravidade, Ana correu até o local, afugentou o cachorro sacudindo as mãos e continuou o trabalho do animal, com as mãos nuas. Seus olhos estavam em fogo, como o topo de sua cabeça.

O trabalho foi facilitado pela água da chuva, que revolvera o terreno e umedecera a barreira. Ela cavou freneticamente e sem cessar até que alcançou um objeto sólido, uma caixa de madeira empenada. Parou para secar o rosto, que se manchou de barro, e já se abaixava para continuar escavando quando uma mão apertou firmemente o seu ombro.

- Ana, já chega. Não pode ir tão longe – era Lucas.

- Não!

 Ela se soltou para tentar escavar novamente, mas enquanto desviara a sua atenção por segundos, o cenário inteiro mudou. Ela já não estava ajoelhada sobre a lama, atrás do velho casarão imperial. Trajava um vestido florido, semelhante ao que recebera de Lucas, para o casamento. Sentada sobre grama verde e seca, inalando o inconfundível perfume de lírios, Ana vislumbrou uma pequena lápide de mármore. Esta exibia a foto carcomida de um menino de olhos cor de mel e duas palavras em letras pretas carcomidas: Pierre Fortes.

- Tente o quanto quiser, não pode mudar o passado. E ele não vai voltar.

- Não, Lucas.

- Ana, volte, agora.

Ela travou o maxilar e estas últimas palavras ecoaram nas paredes de seu cérebro como ondas pesadas. Sua cabeça começou a ferver: mãos em fogo comprimiam seu rosto e Ana sentiu não apenas seu corpo sacudir, mas algo sendo escavado em seu peito. Sem oferecer resistência, sentiu-se puxada pela cabeça, pela força do vento, através de um longo canal mal iluminado que ficava mais claro à medida em que ela avançava; disparou em uma velocidade vertiginosa e seu corpo congelou, segundo a segundo. Intimamente, teve a sensação familiar da iminência de uma batida e fechou os olhos com força.

- Pode abrir os olhos, agora – a voz de Lucas denotava desespero.

- Lucas, o que foi isso? – a voz da avó de Ana se sobrepôs a um estranho barulho de sucção.

- Não sei, por um momento, pensei que havia algo errado. Amélia, ligue para a primeira dama e avise que ela acordou, por favor.

Afastando as pálpebras, Ana se descobriu presa em um enorme cilindro de vidro, sem uma peça de roupa. Tubos se desligavam dos seus braços e de sua cabeça, e o nível do líquido amarelado em que estava submersa baixou gradativamente. Seu corpo cedeu ao próprio peso ao passo que a substância chegava ao chão. Chegando ao piso metálico e gelado, ela viu sua corrente de ouro velho quase ser levada pelos tubos de água, mas conseguiu apará-la pelo pingente.

Um Lucas envelhecido e de bigodes grisalhos a encarou, enquanto abria uma porta no cilindro, passava um braço por sua cintura e a ajudava a levantar. Ela percebeu que deixava a correntinha para trás, mas poderia voltar para pegá-la mais tarde. Os dois caminharam aos tropeços na direção da porta e Ana arregalou os olhos quando viu seu reflexo no cilindro de vidro. Quem era aquela pessoa que a mirava de volta?

Mais tarde, Lucas e Ana passaram muito tempo sozinhos num quarto improvisado, no andar superior. Havia poucas roupas no armário e algumas malas no chão - se estavam sendo feitas ou desfeitas, não era possível dizer.

Ana se recostara a uma cadeira de espaldar alto, menos assombrada com a aliança em sua mão esquerda do que com o espelho na parede, de onde uma caveira a espreitava de volta, ostentando olhos fundos de culpa. Pelo reflexo, ela mirou o abajur que descansava sobre um criado-mudo, próximo a porta. Levantou disposta a agarrá-lo e lançá-lo longe, mas foi ao chão instantaneamente. Lucas se aproximou e acompanhou-a de volta à cadeira.

- Tenha calma. Você sabe que ainda vai demorar até a sua coordenação voltar ao normal.

- Falhei outra vez, Lucas. Eu me perdi de novo.

- Você não pode falhar se o seu objetivo é impossível de atingir, minha querida. Aceite.

- Eu quero o meu filho de volta – ela afundou a cabeça na camisa dele.

A avó de Ana, dona Judith, bateu na porta aberta e foi entrando. Ela se movia lentamente, apoiada em uma bengala por um braço, trazendo um livro grosso com a outra mão.

- A primeira-dama não ficou nada feliz com as notícias. Ela não quer patrocinar mais nada em que você ponha a mão, Lucas. E olha que ela tem prazer em se livrar do dinheiro do marido. Avisei, quando procuraram a minha ajuda, na primeira vez: não há nada que se possa fazer para trazê-lo de volta. O máximo que podemos ver é até onde ele teria chegado, não fosse o acidente. Mas você é teimosa, filha – A velha sentou na cadeira de balanço ao lado da cama e jogou o livro sobre os lençóis.

- Eu me lembro deste livro – Ana voltou os olhos escuros para o tomo.

- Claro que sim, é o que usamos para desligar a sua consciência há anos, nesta experiência maluca, não é? Eu sempre digo, a ciência é terra de gênios, mas não funcionaria sem o manto dos esclarecidos e isto, a minha magia pode fornecer – ela deu um tapinha carinhoso na capa do livro – O que viu no futuro dele, filha?

- Um momento - Lucas levantou, foi até o criado-mudo e pressionou um botão em uma caixa acústica, que registrou todo o depoimento de Ana, enquanto ela narrava toda a experiência, desde que se viu acordando em um beco escuro.

- Pierre adorava aquele playground... – Lucas suspirou, mas logo retomou o foco – Curioso, o seu cérebro projetou pessoas e lugares que nunca conhecemos. Querida, quem seria o tal Cristiano Ronaldo?

- Não sei, era um nome em destaque nos jornais futuros. Alguma coisa a ver com desportes.

- Não é nada com quem eu precise me preocupar, é?

- Acredito que não, mas Lucas - ela secou os olhos com a manga do vestido - Você estava morto.

- E você, turrona como sempre - ele usou um dedo para levar uma mecha solta do cabelo dela para trás de sua orelha - Levei uma semana para convencê-la a seguir minhas indicações! Mas era a única forma de ficar perto de você e tentar guiá-la. No entanto, só pude permanecer no primeiro nível de consciência. O que acontecia quando ia mais fundo?

- Não lembro bem. Isso importa?

- Sim, porque foi muito difícil convencê-la a voltar – ele pôs um joelho no chão, e mirou os olhos dela – Ana, não importa quão longe essa parafernália pode levar sua mente. O acidente com nosso filho foi parte imprudência e parte fatalidade.

- Ele não teria sido arrastado pela correnteza se eu não o tivesse levado de volta para casa comigo, sem ajuda! – ela explodiu, revirando na cadeira.

- Já fomos longe demais com isso, precisamos voltar para casa e esquecer este laboratório. Amélia, está na hora, vamos embora daqui – ele lançou um olhar significativo para a mulher e, com alguma dificuldade, ergueu Ana pelos braços. Levou-a para o carro, estacionado em frente à porta, e foram seguidos pela mulher.

Amélia assumiu o volante enquanto Lucas voltava ao interior do prédio, ressurgindo em instantes.

- O que está fazendo?

- O que eu deveria ter feito há anos. Amélia, vai!

Surpreendentemente, aquela senhora arrancou com o carro com a destreza de um piloto de corrida, alcançando 80 km/h em instantes.

- Por que a pressa...

A pergunta de Ana foi interrompida por um som ensurdecedor. Virando-se no banco, viu que deixavam para trás uma enorme coluna de fumaça, fragmentos voadores de uma casa implodida, que em breve seria  reduzida a vigas de concreto e um passado morto.

- Você não fez isso!

- E faria de novo, se fosse estúpido o bastante para reconstruir este circo!

Ignorando as reclamações e injúrias proferidas por ela, Lucas indicou o caminho a Amélia, que enveredou por um trajeto arborizado e parou em frente ao portão de um cemitério. Lucas fez a volta no carro e puxou Ana por um braço, sem muita delicadeza.

Caminharam lentamente, desviando de inúmeras lápides e cruzes no chão bem cuidado. Pararam em frente ao mesmo túmulo que Ana vira pouco antes de acordar. Ela sentou na grama e observou as palavras em letras pretas descascadas.

- Despeça-se dele agora, Ana. Ou de mim – a voz de Lucas era grave e furiosa.

- O quê? – ela se voltou ao marido, alarmada.

- Não vamos viver essa maluquice e usar nossos dons do modo errado! Tampouco quero que se mate antes do tempo por algo que não tem mais volta. Veja onde está o seu filho! Todos sentimos falta dele, mas conseguimos superar. Ele, com certeza já perdoou a mãe. Faça o mesmo!

- Lucas, não está sendo muito radical? – Amélia sussurrou para o homem, depois de puxá-lo para um lado.

- O fantasma que ela vê é a culpa, não Pierre, Amélia. Isto pode ser eliminado e será, de um jeito ou de outro.

A discussão continuou e nenhum dos dois pareceu se dar conta do menino de olhos cor de mel que se postava do lado de Ana, sentado na grama, com um sorriso sem tamanho no rosto, olhando de Lucas para a jovem mãe de olhos fundos.

- Eu ouviria o meu pai.

- Não deveria ter levado você ao hospital comigo. Eu deveria saber!

- Não pode mudar isso, agora.

- Você vai ficar bem sem mim?

- Pode ser.

- Aonde vai, agora?

- Não sei, mas é bom. Não se preocupa.

Ana suspirou.

- Por que a sua versão adulta tentava me esganar sempre que nos encontrávamos?

- Não era eu, mãe. Era você.

Ela arregalou os olhos, uma dúvida se desanuviando do seu olhar.

- Você não me culpa, então?

- Não – ele sorriu – acho que não. Tem muita coisa, aqui, não penso muito no que aconteceu.

Depois de algum tempo refletindo, ela assentiu com a cabeça.

- Não volto mais aqui, certo?

- Tudo bem. A gente se vê outro dia.

Ana se ergueu sozinha e caminhou lentamente até onde Lucas e sua avó ainda discutiam.  Ambos olharam espantados para a recuperação dela, mais rápida do que das outras vezes. Sem dizer nada ou olhar para trás, Ana agarrou a mão do marido e refez o caminho até o carro. Os três seguiram para a casa no centro da cidade, que já começava a se iluminar com as luzes dos postes das ruas, causando um efeito magnífico para quem via do alto da colina.

- Fez uma boa escolha, meu bem – sorrindo, Lucas levou a mão da esposa aos lábios, e beijou-a delicadamente. Amélia observou os dois pelo retrovisor por segundos, antes de devolver sua atenção à estrada.

- Não vou deixar que minha consciência me atormente mais - em um gesto involuntário, Ana passou a outra mão pelo pescoço e sentiu que faltava algo, mas não deu importância.

O laboratório de Lucas e Amélia estava localizado tão longe da cidade que, antes de alguém descobrir a implosão, talvez as chuvas frequentes da região já tivessem lavado todo o território. E, como se entendesse sua deixa, a água começou a despencar do céu sobre os destroços - ela nunca dava trégua.

Mas a água empoçada da chuva não foi a única coisa a se remexer naquele lugar.

Do meio dos escombros e cinzas, uma forma sólida se ergueu, no mesmo ponto onde Ana ficara presa dentro de um grande cilindro de metal. O rosto da figura era jovem, devia ter por volta de vinte anos, mas a sua expressão séria lhe dava um ar austero e envelhecido. Ele tinha braços fortes e, nos olhos, grossas linhas negras contornavam as íris. Íris cor de mel.

Em uma das mãos, ele segurava firmemente uma corrente de ouro envelhecido, também resgatada dos entulhos. Abrindo o pingente, um homem grisalho de expressão zombeteira e um menino com olhos idênticos aos seus sorriam para ele. Na parte de trás do pingente, um nome estava gravado em uma caligrafia rebuscada, Ana Marie Fortes.

Exatamente o nome que estava procurando.


***

*Originalmente postada no blog Canto e Conto, entre set/10 e mar/11.  A série "Ar de Evasão" surgiu da proposta de um Concurso de Contos, na linha do romance sobrenatural, para compor a Antologia "Beijos & Sangue". O conto raiz da série foi selecionado, em julho/2010, publicado no blog em setembro e a sequência veio a pedido dos leitores.